27 setembro, 2006

Quando o mundo pára

Hoje eu acordei com um passarinho cantando na minha janela. Achei estranho, mas muito agradável. Levantei, tomei banho, tomei café, e parti para mais um dia habitual. No elevador eu encontrei dois vizinhos; um deles nunca fala comigo. Mas não é que hoje ele falou. Aliás, os dois estavam com uma felicidade tão grande estampada na cara que eu – às vezes eu fico tão desligado do mundo que perco a noção de tempo, e do resto – fiquei me perguntando se o Brasil tinha sido campeão mundial de alguma coisa.

Como de costume, assim que liguei o carro, liguei o rádio. Coisa estranha, o locutor do programa de humor que eu sempre escuto tinha faltado, e estava sendo substituído por uma mulher, que pediu desculpas pela ausência do titular e ficou colocando músicas só pra preencher o tempo. Isso me deixou um pouco chateado; eu adoro ouvir as besteiras daquele idiota. Agora eu ia rir de que naquele trânsito lento e caótico?

Mas o trânsito não estava lento, nem caótico. Eu não via a cidade daquele jeito desde o ano passado, num domingo, lá pelas seis da manhã – eu tinha decidido mudar de vida: acordar cedo todos os dias, e mais outras dessas resoluções que não duram nem um dia inteiro. Estava tudo numa tranqüilidade; pouquíssimos carros. E os que estavam nas ruas eram guiados por motoristas tão cordiais. Nessa hora eu tive absoluta certeza de que o Brasil tinha sido campeão mundial de alguma coisa. Por qual outro motivo as pessoas estariam tão felizes e obsequiosas nesse país? Eu já estava começando a ficar com a impressão que eu era o único que não sabia. Fiquei tão absorto pensando sobre isso que, não prestei atenção no sinal que mudava de cor. Atrás de mim uma mulher irada buzinava e gritava algo que eu não consegui decifrar.

Batata! É futebol. O Brasil tinha sido campeão do mundo de futebol e eu não sabia. É, porque tem muitas mulheres que ficariam muito felizes com essa besteira, mas sempre tem as que odeiam o futebol ferrenhamente; deve ser culpa dos maridos delas. Caramba! Percebi o quanto eu estava alheio ao mundo. Sai o mais rápido que pude. E não pude deixar de ficar puto só de pensar que perdi meu programa de humor, favorito, por causa de uma porra de copa do mundo. O idiota deve ter bebido todas e não pode ir trabalhar – O pior é quando eles bebem todas e vão trabalhar.

No caminho que eu faço pra ir ao trabalho, que é o mais longo, mas, o mais bonito, existem algumas floriculturas. Eu fiquei abestalhado ao notar como elas estavam cheias; todas estavam cheias. Também não pude deixar de reparar, igualmente abestalhado, nas filas de carros na frente dos lava-jatos. Ta bom; eu vou confessar uma coisa: eu não tava tão impressionado com aquilo não. Afinal de contas esse mundo é doido mesmo né? Mas, quando eu vi aquela quantidade de carros na frente dos salões de beleza, e pude verificar através das suas portas diáfanas que, todos os clientes eram homens; nessa hora eu fiquei realmente admirado.

Segui meu caminho. Fui pensando sobre a insanidade desse mundo, sobre esse comportamento intempestivo de toda a cidade. Quando voltei a atinar pra uma coisa: não era a cidade toda que estava fora do normal; eram os homens. De repente descobri tudo. Eles estavam felizes e conseqüentemente mais gentis; queriam flores, os carros limpos; eles precisavam estar mais bonitos. Não haveria outra explicação: Ela está solteira outra vez...


por Heitor Freitas (convidado)

11 setembro, 2006

My Own

Minha falta de assiduidade televisiva costuma deixar-me até certo ponto aparte de muitos dos fenômenos sociais presentes por aí. O novo jargão do Zorra Total, a nova banda de emo do momento, o novo “programa escroto” de baixaria do SBT (a propósito.. tais coisas citadas ainda existem?), tudo isso soa muito estranho pra mim. Até certo ponto, porque todos os quadros de programas de finais de semana copiados da TV americana acabam entrando, talvez não pelos meus olhos, mas pelos meus ouvidos enquanto estou no computador escrevendo pra o Cafezinho com Cigarro. Mas o que eu continuo sem saber é quem é essa nova escritora brasileira Dani Surfistinha entre os 10 mais vendidos da seção de auto-ajuda.

Por falar em TV americana, foi de lá que veio uma expressão social a qual me surpreendeu certa vez, mais especificamente da MTV: o programa My Own, uma versão moderna daquele Xaveco do SBT, mas nessa a pessoa escolhe o pretendente que mais se aproxima do seu ídolo em questão. Nesse afortunado dia fui premiado com o My Own Usher (para os assim como eu desatualizados, Usher é uma espécie de Latino norte-americano que sabe cantar).

Começa com depoimentos das amigas dizendo “Ela nunca arranja namorados..” seguidos dos seus próprios “...Eu acho que nunca consigo um namorado porque comparo todos os homens ao Usher...”. Eis que aparecem 10 caras buscando satisfazer essa carência da jovem, provar que são capazes de fingir que é o cara de forma convincente e para isso devem se submeter a algumas provas. Na da dança por um momento pensei estar vendo o My Own Jacaré... seguida por uma bateria de perguntas, incluindo “qual a flor preferida do Usher?” (e o pior, acreditem... o cara respondeu certo, e não era múltipla escolha). A garota, que não era tão mau assim embora não valesse tal esforço, já tendo falado que adorava o abdômen do Usher, pediu pros pretendentes levantassem a camisa... bem, no mínimo abre um precedente bastante interessante num possível futuro My Own Scarlett Johansson. (vale um comentário particular para a legenda que dizia “-Ele é da hora!”)

Não bastando a carência afetiva exaltada da menina, os finalistas mostram seus quartos, guarda-roupas, etc para reafirmar o quanto são iguais ao Usher, com direito a depoimento da mãe “Meu filho chega a achar que é o próprio Usher, eu mesmo não consigo distinguir os dois as vezes”. Enquanto isso, a garota fazia críticas com toda a propriedade “O Usher nunca usaria uma roupa dessas”.

Confesso não conseguir deixar a TV ligada ainda muito depois disso, mas um pensamento não parou de rondar em minha mente: não é a toa que essa sociedade produz tantos serial killers e por sinal é a única que o faz, os quais são indubitavelmente mais bizarros que os terroristas árabes, por exemplo. O homem bomba deveras acredita que será recebido por cerca de 100 virgens as quais sempre voltam a ser virgens (vai entender onde isso é vantagem, mas tudo bem...), enquanto o serial killer nerd, de óculos fundo de garrafa e branco simplesmente não tem o que fazer com sua “liberdade”.

por Felipe "Baiano" Batista