20 dezembro, 2006

Poema inútil

.
Eu confesso:
.
Desejo ser motivo de pungente remorso
Desejo ser a causa de irremediável sentimento de incapacidade
Desejo ser espectro; acarretar inépcia de dias precedidos de noites em claro
.
Quero saber que meu nome foi dito com cuidado, numa tentativa inútil de esconder o óbvio
Quero saber que meu nome tem sido maquinalmente escrito em cadernos, agendas, revistas, jornais, bulas de remédios para dor de cabeça...
Quero causar rubor, gagueira, medo, boca-seca, pernas-bambas...
.
Quero habitar pensamentos; ser voz da consciência, que, sorrateiramente chega e, abruptamente converte-se em grito:
- Ah, como eu fui burra!
.
por Heitor Freitas (convidado)

05 dezembro, 2006

"O Túnel", Amor a Primeira Página

Pense que você pode representar seus sentimentos, seus anseios, seus defeitos e qualidades, tua vida em um objeto, em um símbolo. Mas como fazer, ou melhor como saber fazer?! Acredito que só os artistas o conseguem, pois possuem esta sensibilidade. Juan Pablo Castel conseguiu e teve a sorte de que uma grande mulher, María Iribarne, conseguisse enxergar e sentir o mesmo quando viu este símbolo. A trama de "O Túnel" de Ernesto de Sábato vai se desenvolver a partir deste fato e das conseqüências que a revelação deste ícone tiveram para ela e para ele.
.
Castel é pintor e avistou sua amada numa exposição dele em frente a um quadro chamado maternidade, em que no primeiro plano uma mulher olhava uma criança brincando e no canto esquerdo, no segundo plano, o elo entre os dois. Uma janela dava para um a mulher sentada na praia olhando para o mar, o que isso representa para ela, uma lembrança de um local idílico, para ele a paz que ele sempre quis, mas o que ligou os dois não foi essa analogia pobre e direta foi a revelação intuitiva de um segredo entre eles e que estava presente no quadro.
.
O livro se inicia com a surpreendente revelação que Castel matou sua amada e cúmplice em seu segredo. Essa revelação é chocante, mas nos antecipa que não será um livro imbecil que iremos ler (tem uma forma de novela; com poucos personagens, de trama concentrada nos personagens principais, de narrativa curta e linear). Sabato nos bota diante de um crime passional e intrigante, que nos revelará até que ponto um amor verdadeiro em confronto com os nossos valores e costumes pode ir.
.
Este embate entre o sentimento livre e as convenções sociais é desenvolvido de forma primorosa pelo autor que descasca e expõe o que representa o verdadeiro “cabron” latino, potencializado por uma alma de artista e uma mulher simplesmente bela atrofiada pela amarras da sociedade, mas tendo em sua alma a libertação. Ele quer unir seu sentimento livre ao amor das convenções socias, ela, viver um sonho real com indiferença e condescendência com o resto.
.
A vida de cada um é um túnel transparente cheio de bifurcações e que formam encruzilhadas onde os mesmos se entrelaçam, produzindo felizes encontros ou misturas explosivas. A pergunta deixada por Sabato é se somos capazes de abandonar nossas convicções, valores, preconceitos e viver um profundo e leve amor. A resposta! Não sei, digam-me!
.
por Felipe "Baiano" Nogueira